O Fundo Monetário Internacional (FMI) considera que o combate à corrupção em Angola, país há 50 anos dominado pelo partido que mais tem corruptos por metro quadrado, o MLA, precisa de ser revigorado e recomenda mais transparência (como se tivesse alguma) no processo de recuperação de activos.
A informação consta de um anexo ao relatório de avaliação divulgado na quinta-feira, onde o FMI refere que após um forte impulso no primeiro mandato do Presidente do MPLA que, por inerência, também é Presidente da República, general João Lourenço (2017-2022) com progressos em matéria de governação e legislação, as reformas abrandaram a partir de 2022, devendo essa dinâmica ser revigorada.
O FMI diz que – em teoria copiada dos manuais das boas práticas internacionais – o enquadramento legal existente está alinhado com as melhores práticas, mas não se avançou no que era vital, caso de autonomia institucional, independência e capacidade técnica para o aplicar, devendo ser adoptados procedimentos que até agora causam alergias mortais ao MPLA: mais transparentes, participativos, acessíveis publicamente e automatizados digitalmente.
As reformas do sistema judiciário “estagnaram desde 2022”, apesar do reforço da capacitação, diz o FMI, apontando os mais de 1.000 agentes responsáveis pela aplicação da lei, entre juízes, magistrados e agentes da polícia, formados em áreas como o investigação financeira, fraude fiscal e recuperação de activos ilícitos, com apoio da União Europeia e do Gabinete das Nações Unidas para a Droga e o Crime.
O Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA) publicou em 2023 uma lista de activos recuperados desde 2019, no valor de 19 mil milhões de dólares (17,5 mil milhões de euros), dos quais sete mil milhões de dólares (6,4 mil milhões de euros) foram recuperados a nível nacional, incluindo acções em bancos e empresas, imóveis e dinheiro.
A lista foi actualizada em 2024 com 308 milhões de dólares (284 milhões de euros) adicionais de activos apreendidos, dos quais 83 milhões de dólares (77 milhões de euros) em numerário totalmente recuperados e depositados no Banco Nacional de Angola.
O FMI pede “regras claras e uma maior transparência na gestão, venda e afectação das receitas dos activos recuperados” além do recurso à recuperação de activos com base na condenação ser limitado, tal como a restituição de activos apreendidos noutras jurisdições.
A instituição financeira acrescenta que os progressos (errantes e mediáticos) na aplicação da lei foram penalizados pela comutação de penas, referindo-se ao antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, e a relativa morosidade na prossecução de casos de corrupção de grande visibilidade como o do general Kopelipa, ainda a aguardar julgamento após mais de cinco anos [o julgamento tem início na próxima segunda-feira].
O FMI considera que a Estratégia Nacional para a Prevenção e Repressão da Corrupção (2024–2027) é “escassa em medidas e acções concretas”, em especial no fortalecimento das instituições existentes e áreas como a declaração de activos de altos titulares de cargos públicos e pessoas politicamente expostas.
O documento aponta falhas no controlo orçamental e de participação, responsabilizando a Assembleia Nacional de Angola (dominada de forma acéfala pelo MPLA) por “exercer pouco controlo sobre a fase de planeamento e execução do ciclo orçamental” e o Tribunal de Contas de Angola que “continua a emitir relatórios de auditoria ex-post [avaliação após a implementação das políticas ou programas] sobre as Contas Gerais do Estado anuais, que não abrangem todas as entidades governamentais, e não dá seguimento às suas recomendações de auditoria”.
Além disso, a sociedade civil e o público em geral “têm pouco espaço para contribuir para a elaboração do orçamento e acompanhar a execução orçamental”, refere o relatório.
Há também, como é regra, lacunas no controlo das despesas e gestão de tesouraria que se reflectem nos atrasos dos pagamentos, com o FMI a destacar a fragilidade dos procedimentos de controlo das autorizações orçamentais, atrasos no reconhecimento e orçamentação dos pagamentos em atraso devido a um registo inadequado das facturas, e falhas na previsão dos fluxos de tesouraria.
Por outro lado, a contratação pública continua sujeita a vulnerabilidades que devem ser “prontamente corrigidas”, com adopção de procedimentos abertos e transparentes em que o primado seja o da competência e não o da filiação no MPLA, com doutoramento em bajulação.
“Os contratos adjudicados através de concursos não concorrenciais (Contratação Simplificada – CP) representaram mais de 80 por cento de todos os contratos e continuam a ser a forma dominante de contratação pública”, assinala o FMI, prática que, no mínimo dos mínimos, “levanta preocupações significativas relativamente à transparência, responsabilidade e equidade e pode levar à corrupção e a preços de contrato inflacionados”.